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A história de Juliana e os números da violência contra a mulher em Santa Catarina

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Uma mulher é vítima de feminicídio a cada sete horas no Brasil. Imagem ilustrativa

Depois de sete anos de casamento e um histórico de ameaças, insultos, humilhações, chantagens, vigilância constante e surras, *Juliana decidiu fugir.

Mesmo sem dinheiro ou destino definido, ela foi até uma agência de viagem para ter ideia do preço das passagens. 
Talvez pela aparência – estava muito magra -, talvez pelo tom de voz, o agente percebeu que havia algo errado e, sem perguntar nada, entregou-lhe um fôlder sobre violência doméstica.

– Se você souber de alguém que é vítima de violência, isso pode ajudar.

Esse fôlder, dado por um desconhecido, foi tão importante quanto a decisão de mudar de cidade. Ao chegar em casa, o marido quis saber onde ela estava e com quem, e a agrediu fisicamente. 

Eles moravam num terreno com outras três casas conjugadas e, como das outras vezes, Juliana gritou, pediu ajuda, mas ninguém fez nada. 
—Neste dia, ele tentou me matar, me jogou na cama, ficou em cima de mim e me estrangulou – conta. Juliana se desvencilhou e se trancou no quarto ao lado, onde ficou durante três dias e três noites. Uma amiga – que sentiu sua falta e já desconfiava das agressões – comunicou a polícia. Juliana foi resgatada.

—Você já cozinhou caranguejo? A pessoa coloca o bicho na panela e vai esquentando aos poucos, sem pressa, até ferver, aí quando a presa percebe a gravidade, já era. Violência doméstica contra a mulher é quase a mesma coisa. 

Juliana faz a comparação e explica que no início do relacionamento era tudo normal, mas com o tempo o marido passou a censurar as roupas que ela vestia e as amizades, a proibiu de frequentar determinados lugares, fez com que ela desistisse da faculdade, mexia na bolsa, olhava o celular, controlava todos os passos. 
—Eu estava na panela de água fervendo, mas eu não percebia, nem me via como vítima.

Então, um dia, uma prima de segundo grau de Juliana foi assassinada pelo companheiro. Naquele momento, ela percebeu que teria o mesmo destino e precisava se libertar e foi a agência de viagem.

Depois de ser resgatada, Juliana se mudou com a ajuda da amiga para outro bairro, seguiu os primeiros passos indicados no fôlder, se fortaleceu, procurou ajuda psicológica e jurídica e, finalmente, viajou.

Números da violência

Relatos como esse de Juliana se repetem com frequência, mas nem sempre com o mesmo final. De acordo com dados do Monitor da Violência, 95 mulheres foram vítimas de homicídios dolosos em Santa Catarina em 2018. 

Esse número subiu para 129 no ano passado, um aumento de 35,8%. Neste aspecto, estamos na contramão do resto do país, que registrou queda de 14,1% desses delitos.

Quando se analisam apenas casos de feminicídio – assassinato de mulher motivado pelo gênero -, houve um aumento de 7,2% em todo o Brasil. 

Santa Catarina registra quase um por semana e, apenas nos dois primeiros meses de 2020, oito mulheres foram vítimas desse crime. 
A maioria dos casos acontece dentro de casa, por namorados, maridos ou ex-companheiros, e os motivos mais frequentes são ciúme ou inconformidade com o término da relação. 
As armas utilizadas são variadas – de martelo a faca de cozinha – mas há um padrão: os golpes atingem principalmente o rosto, os seios e o órgão genital.

Ainda de acordo com dados do Monitor da Violência, uma mulher é vítima de feminicídio a cada sete horas no Brasil.

Ao mesmo tempo que os índices de homicídios dolosos e latrocínios vêm caindo, o registro de casos de violência doméstica continua crescendo.

Um dos desafios de quem trabalha com o tema é chegar a essas mulheres d ue o pior aconteça. 

Às vezes, uma informação ou um ato aparentemente desimportante – como entregar um fôlder – podem salvar uma vida. 
—Sim, eu tive sorte –⁔diz Juliana, —mas precisei superar muitas coisas, inclusive o medo, e agora estou aqui, refeita, inteira, contando uma história que é, infelizmente, mais comum do que se imagina.

*A pedido da entrevistada, o nome utilizado na matéria é fictício.