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Polêmica: parte do Vale do Contestado passa a chamar-se Vale dos Imigrantes

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Professor da UEL diz que a alteração é \”um atentado contra a formação do povo catarinense\”. Foto: Museu do Contestado em Caçador/Divulgação

O Contestado, movimento histórico de Santa Catarina comparado à Guerra de Canudos e um dos mais emblemáticos do país, pode ter perdido uma batalha importante.

A região do Meio Oeste, cenário do sangrento episódio que entre 1912 e 1916 dizimou milhares de moradores na divisa de Santa Catarina e do Paraná, perdeu a referência do nome Vale do Contestado.

A área passou a se chamar Vale dos Imigrantes. Tornou-se a 13ª região turística de Santa Catarina, sendo oficialmente reconhecida pelo Ministério do Turismo e integrante do Mapa do Turismo Brasileiro 2019. 

A decisão foi tomada em reunião da Instância de Governança Regional (IGR) do Vale do Contestado, uma espécie de representação do setor turístico nas regiões que conta com a participação de diferentes gestores.

O professor do curso de Geografia da Universidade Estadual de Londrina (UEL), Nilson Cesar Fraga, estuda a região e a Guerra do Contestado há 25 anos. Para ele, a alteração é \”um atentado contra a formação do povo catarinense\”.

— A mudança não é apenas grave: é vergonhosa para Santa Catarina. A partir do momento em que o Estado, sendo multicultural e multiplural, se permite eliminar um grupo formador de sua população para garantir uma ideia que é eminentemente fruto de uma colonização europeia configura-se um atentado contra a formação do povo catarinense — diz Fraga.

Como era: Municípios que faziam parte da região turística Vale do Contestado antes da mudança.
Municípios incluídos no Mapa do Turismo Brasileiro (2019-2021), divididos em duas regiões: Caminhos do Contestado e Vale dos Imigrantes (em verde). Fonte. Mapa- turismo.gov

O pesquisador afirma que a mudança foi promovida sem debate e anuência da população, das organizações civis e mesmo de outras instituições de turismo e de ensino. 

Ele considera que a alteração retira a importância do Contestado que foi recolonizado a partir da Guerra. O conflito foi marcado pelo massacre de caboclos, posseiros, indígenas e pequenos proprietários rebelados, por forças do Estado a serviço dos interesses de empresas multinacionais e grandes proprietários de terras, deixando marcas sociais e econômicas na região até hoje.

Um dossiê formulado por Fraga foi entregue ao Ministério Público e está sendo analisado na 1ª Promotoria de Justiça de Joaçaba. 

Também foram entregues cópias para deputados estaduais e da bancada catarinense em Brasília. De acordo com o autor, a expectativa é de que a denúncia e a ampla discussão revertam a decisão.
Como parte desse levante, estão programadas atividades como exibição de filmes acerca da memória do Contestado e debates em diferentes cidades da região.
Para o também professor e coordenador da Associação Paulo Freire de Educação Popular (APAFEC), de Fraiburgo, Jilson Souza, a decisão é uma forma de excluir a memória sobre a presença dos índios e dos negros na região.

— É um processo de marginalização da cultura cabocla, uma espécie de embranquecimento impondo um pacto de silêncio, repetindo a marginalização que já aconteceu durante a Guerra e no período posterior — diz.

\”Não há alternativa turística razoável sem a memória efetiva do território e da população nele existentes\”, diz pesquisador

O assunto também chegou à Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). O professor da Graduação e do Programa de Pós-Graduação em História, Paulo Pinheiro Machado, aponta equívocos na decisão. 

Machado, que também coordena o Grupo de Investigação sobre o Movimento do Contestado, considera que estão buscando um projeto turístico que imite cidades gaúchas como Gramado e Canela, tentando emplacar um modelo copiado, sem qualquer identidade regional. 
Para ele, não há alternativa turística razoável sem a memória efetiva do território e da população nele existentes.

— Santa Catarina tem milhares de vales europeus e de imigrantes. São nomes que se repetem. Preferem isso à identidade da Guerra do Contestado, um tema que já está em debates nacionais, já caiu no Enem. É realmente lamentável que a própria região não valorize seu passado e sua história — conclui.